domingo, novembro 11, 2007

Cena de aeroporto em 2014

Este texo foi escrito por Ugo Giorgetti e publicado hoje (11/11/07) no Estadão. Muito bom.

Estamos em 2014.
O senhor Hans Reutberger- Sieblinsky está parado no meio do aeroporto de Guarulhos, perplexo. Ele é o chefe da delegação de um pequeno, porém tradicionalíssimo, país europeu, que tinha, no último minuto, obtido classificação para a Copa no Brasil. Depois de 13 horas de vôo e esperar por um tempo a seu ver intolerável para sair da alfândega com as malas e material esportivo, o senhor Sieblinsky estava realmente confuso. Olhava para o monte de passagens aéreas em suas mãos com o nome da empresa brasileira que faria a conexão de seu vôo com Belo Horizonte.
Certamente herr Sieblinsky estava entendendo mal o que lhe diziam. Afinal seu inglês não era grande coisa. O do seu interlocutor brasileiro, infelizmente, não era melhor. O fato é que tinha conseguido entender que a companhia aérea na qual sua delegação deveria embarcar tinha encerrado as atividades. Fechado. Closed down. Kaput. Como seria possível uma coisa dessas?! Ontem mesmo tinha falado com a companhia! Ela não só existia como confirmou o vôo!
Mas realmente não havia ninguém atrás do balcão da empresa. Nobody. Personne. Procurou imediatamente entrar em contato com o embaixador de seu país no Brasil. Uma gravação em português respondeu: "Esse número não existe."
Depois de ouvir com toda a atenção por três vezes a mesma mensagem, resolveu ligar para o cônsul, em São Paulo. Ao receber uma resposta em sua língua nativa, quase foi às lágrimas de alegria. Mas apenas por um momento. Logo depois o cônsul em pessoa o informou que sim, não só era possível empresas de aviação no Brasil quebrarem da noite para o dia, como a sua realmente quebrara. Olhando desnorteado para as inúteis passagens o sr. Sieblinsky arriscou: "Bem, podemos ir de trem." Julgou ouvir uma risada abafada do outro lado e soube que no Brasil há muito tempo não há trens. Pelo menos o que um europeu considera trem.
Já apreensivo, ao ver seus jogadores e a Comissão Técnica se amontoando no chão do aeroporto lotado, o homem teve forças para dizer: "Ônibus, então?" Ônibus, muito bem, vamos verificar. Horas depois, o cônsul ligou de volta, e para surpresa do sr. Sieblinsky, com voz natural, de quem está no Brasil há vários anos, declarou: ônibus também não dá. Haverá grande reunião de evangélicos em BH, onde são esperados 5 milhões de fiéis. Não há passagens.
Pelo som que o pobre sr. Sieblinsky emitiu pelo telefone, o cônsul percebeu que sua presença era requerida no aeroporto. Antes, porém, resolveu avisar: não tinha a menor idéia de quando ia chegar em Guarulhos, porque ameaçava chover e a Marginal ia virar um inferno. Além disso, o mecânico que tinha prometido entregar o carro do consulado "o mais tardar lá pelo meio-dia" não estava respondendo aos insistentes telefonemas. Ao desligar, uma coisa continuou intrigando o cônsul: por que herr Sieblinsky tinha reservado vôo para Belo Horizonte? Será que ele não sabia que a sede dos jogos do seu país tinha sido transferida, no último instante, para Goiás? Ninguém avisou? No fim o cônsul mandou chamar um táxi especial e saiu rumo à Marginal, soltando palavrões em sua língua nativa.
Na mesma noite foi ouvido o seguinte diálogo entre dois garis do aeroporto:
-Você viu o gringo que pirou no meio do saguão?
- Que time que era?
- Sei lá, Itália, eu acho.
BRAZIL!! ZIL ZIL!!


Vâmo Curintchá!

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