Todo dia é um desafio pessoal escrever algo que possa ser interessante e diferente do que tem por ai. Nem sempre consigo deixar do jeito que imaginei ou imaginar algo bom.
Depois do jogo do São Paulo, que não assisti, li a seção de esportes de um sítio informativo. Ao lado das notícias dos jogos da rodada, havia chamadas para o fato do Ronaldinho Gordinho ter marcado no Real depois de muito tempo. Outro dia vi que o Diego, ex-Santos, também está fazendo sucesso na Alemanha. Bem, tá quase todo mundo lá fora. O Dunga vai chamar um ou outro que joga aqui na hora do vamos ver. Aliás, pensando bem, por que um técnico brasileiro para jogadores que já não jogagam o futebol jogado aqui? Pega um de lá que, talvez, fique melhor.
O Brasil sempre foi exportador de riquezas da terra. Já foi o Pau-Brasil, a Cana-de-Açucar, o Ouro, o Café e, agora, os jogadores de futebol. Vendemos a matéria prima e depois recompramos o produto final.
Este senhor é o inventor do Brasil que conheço. O genial Gilberto Freyre descreveu e explicou porque os portugueses se miscigenaram com as negras e índias, porque o compadrinho é nota fundamental da política brasileira e tantas outras coisas. Escreveu em um ótimo português, algo que os acadêmicos de hoje fazem questão de fazê-lo, parece-me.
Os Ricardos Teixeiras, os Euricos Mirandas, os Onaireves Mouras e tantos outros cartolas do nossso futebol brasileiro têm um jeito de agir muito parecido com o dos Donos de Engenho de Açucar, descrito pelo ilustre pernabucano. O que os Senhores de Engenho fizeram da época das Capitanias Hereditárias e sesmarias até o final da escravidão tem tudo a ver com os desmandos do futebol brasileiro.
Já na Introdução de seu principal livro Casa Grande e Sensala, o autor coloca que:
"A força concentrou-se nas mãos dos senhores rurais. Donos das terras. Donos dos homens. Donos das mulheres. Suas casas representam esse imenso poderio feudal. "Feias e fortes." Paredes grossas. Alicerces profundos. Óleo de baleia. Refere uma tradição nortista que um senhor de engenho mais ansioso de perpetuidade não se conteve: mandou matar dois escravos e enterrá-los nos alicerces da casa. O suor e às vezes o sangue dos negros foi o óleo que mais do que o de baleia ajudou a dar aos alicerces das casas-grandes sua consistência quase de fortaleza."
Ou seja, a Igreja perdeu a sua luta pelo Poder, bem como o Reino de Portugal. O Senhor de Engenho mandava e desmandava em suas terras. Nínguem era mais poderoso que ele. Por isso, ele matava, transava e chicoteava os seus cativos como e quando bem quisesse.
O reflexo desse Poder tão concentrado nas mãos de tão poucos é visto até hoje na sociedade brasileira. O nosso atraso é, em grande medida, resultado da tradição de não aceitação do império da lei e de não se ter uma visão para além da propriedade e da família. Esses conceitos são anti-meritocráticos, os bem nascidos ocupam os melhores postos, não os ou as mais capazes. O Poder é transmitido de pai para filho.
O importante para muitos presidentes de clubes e entidades associativas do futebol é manter o poder deles e de seus grupos. O atual Presidente do Palmeiras se elegeu com o apoio de várias forças. Uma delas é um grupo mais moderno, que defende uma gestão profissional. Essa aliança deu-lhe votos suficentes para derrotar o Mustafá, o ex eterno Presidente. O Paláia, atual diretor de futebol, falou com o Tite como se fosse um Senhor de Engenho, demonstrando a sua mentalidade arcaica. Resultado, esse grupo palmeirense menos atrasado falou pro Presidente que o diretor de futebol deveria sair ou retirariam o seu apoio. Sem esse apoio, o Della Monica não fará frente ao Mustafá. Há três forças, uma da época colonial, outra do império e uma terceira contemporânea nossa. Ou seja, uma draga só, é o inferno e a caldeirinha. Nada de planejar, nada de profissionalizar. Vale o compadrinho, que é o tapinha nas costas, o presente de aniversário, a ida à festa de batizado do filho do aliado.
Essa visão estreita, vinculada, primeiro, à manutenção de próprio poder e, depois, não além do clube, é que faz com que os cidadãos brasileiros paguem para ver os melhores jogadores nascidos aqui jogarem lá fora. Não dá pra ser tão atrasado.
Eu sei que não haverá um futebol forte enquanto não houver um mercado consumidor mais forte. Os salários são muito mais altos alhures. Contudo, há o exemplo da música brasileira. Os músicos vão lá e voltam para cá. Eles vendem a música que fazem aqui. É outra indústria, totalmente diferente, mas esperar o bolo crescer para depois dividí-lo é não querer ganhar nada. Mas bem que poderíamos vender um campeonato rechado de craques para os japoneses.
Não falo o que falo em função valores como honestidade, respeito ou decência moral ou intelectual. É melhor ter mais dinheiro, mais craques, mais público, mais publicidade, do que a atual estrutura que o futebol brasileiro tem.
Outro dia, passou na Rede Record um filme sobre a Marinha inglesa. A Royal Navy venceu a Invencível Armada Espanhola e, mais tarde, Napoleão, nos mares, porque em seus navios não havia uma distância tão grande entre os oficiais e os marinheiros. foi a vitória da mente capitalista, meritória, sobre a medieval, conservadora. O oficialato da Invencível Armada era composto de nobres que não se misturavam aos marinheiros. Assim, os marinheiros não-nobres que tinham potencial para se tornarem bons capitães eram desconsiderados. Todo o outro da América espanhola não foi suficiente para vencer a Guerra dos Mares contra a Inglaterra. Foi uma estrutura social que apodreceu e sucumbiu.
Será que o futebol brasileiro irá pras cucuias? Pode ir sim. Por maior que sejam os seus heróis e a sua história, há que se adaptar aos tempos atuais, que são outros. Será que o Divino ficaria no Palmeiras durante mais de 10 anos se o mercado europeu já estivesse aberto? Acho que não.
Abraços,
3 comentários:
Sidarta, meus cumprimentos pelo blog. Sei como é difícil manter um blog atualizado, e o seu está bem em dia. Textos bem trabalhados, com uma visão mais ampla do universo futebolístico no Brasil. Gostei mesmo!
E acho que o futebol brasileiro não vai pras cucuias, não. Enquanto houver lucros com a atividade, com certeza haverão também investimentos. Venda de jogadores, direitos de imagem, lucro na bilheteria, publicidade, cotas de tv e rádio, etc. Isso tudo movimenta o nosso futebol, e os investimentos são cada vez mais crescentes. Principalmente, investimentos estrangeiros. Não é a toa que nossos craques estão, em sua maioria, fora do Brasil.
Qualidade é uma questão a ser discutida. Pois, historicamente, nosso futebol "interno" vem empobrecendo no aspecto técnico.
Abraço!
Sidarta, como nosso amigo acima quero lhe agradecer por postar sempre materias interessantes.
Em especial quero lhe agradecer por deixar seu comentario no meu blog (drible.zip.net) no dia 03/11/06 as 22:39. Evidente que o agradecimento está um pouco tardio, mais "antes tarde do que nunca".
Gostaria de colocar um link para o seu blog,lá no DRIBLE,aguardo seu retorno.
Aproveito para convidar para dar uma passada no DRIBLE.ZIP.NET...
disponibilizamos o CANAL DRIBLE, vai lá... e confira.
Abraços
Muito obrigado!!!
Valeu. O Blogues dos dois também são ótimos.
Vamos que vamos falando de futebol sem o jeito Mirto Chuvas que não é todo mundo boiada.
Abração
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