Há os que pensam que o futebol é o atual circo da velha fórmula política romana panis et circensis. Junto com as novelas 8 e o Jornal Nacional, o esporte nacional serviria para afastar a atenção do brasileiro dos temas públicos. O JN é embotador, para mim; mas pode ser o que dê para ser apreendido pelos milhões que o assistem toda noite.
Contudo, apesar de qualquer pesar que este ou aquele acreditem, eu vivo no Brasil. Eu cresci aqui e nunca deixarei de carregar os cheiros, os usos, os gostos, as práticas e os costumes da minha terra. Mesmo que vá morar na Finlândia, serei sempre mais um brasileiro num país distante. Nunca, ninguém que tenha se formado neste canto do Planeta será um apátrida cultural.
Mas o que é a cultura? De quem é a cultura brasileira? Onde ela se forma?
Vejam esses dados do IBGE, coletados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, em 2005, relativos à renda dos brasileiros:
Até R$ 300 - 25,0%
De R$ 301 a 600 - 19,4%
De R$ 601 a 900 - 7,3%
De R$ 901 a 1500 - 6,9%
De R$ 1501 a 3000 - 4,5%
De R$ 3001 a 6000 - 1,7%
De RS$ 6001 pra diante - 0,7%
Sem rendimento e de aposentadoria - 33,8%
Ou seja, se você conhece alguém que ganhe com o seu trabalho mais de RS$ 3000,00, pode avisá-lo que ele ou ela pertece aos 2,4% mais ricos do Brasil. Como deve ter um monte de marajá aposentado, vamos dar uma superestimada e supor que os que ganham mais do que 3 milhas sejam 5% dos Brasileiros (um vinte avos!).
A alta concentração de renda vem de longe na nossa história. Assim, tudo o que nós somos em termos culturais é fruto do que os despossuidos passaram de geração para geração. Os ricos têm suas contribuições, mas o que essa classe abastada ofereceu à cultura brasileira só incorporado a ela na medida que o povão aceita a oferta. O francês já foi forte, agora é o inglês, amanhã, talvez seja o chinês. Mas será sempre o português quem ficará conosco enquanto formos brasileiros.
O futebol é o que é aqui porque o povo abraçou e se apropriou do esporte dos brancos ricos. Não há como um bem cultural qualquer ter força expressiva se não se funda num povo. Não há música, literatura, arquitetura, etc. boa se não houver uma ligação com um povo. Um artista só, sem referências do lugar em que vive, não cria obras expressivas. Ninguém é uma ilha.
Vejam a letra da música Fábulas de carreiro, escrita por Moniz :
"Ai, eu botei / Meus boi na canga / E carreguei meu carretão // Ai, era ainda noite cerrada / Já eu estava no espigão / Ai, era eu e o boi malhado /Empareiado ao boi marrão / Ai, só nois três na madrugada / Cortando a estrada, escuridão ///
Ai, uma estrela se desgarrou,ai / E fulminou meu carretão / Minha pareia se abalou, ai / E se matou no ribeirão / Lá ueh, ueh, ueh / Meu boi malhado, ai (...)"
O boi Marrão se foi e o carreiro "chora abafado". E depois vem a parte mais emocionante, na minha opinião:
"Ai a saudade não é brinquedo / Quando se apossa de um coração / Ai, eu às vezes me acordo cedo / Me estremeço na solidão / Ai, minha pareia / Minha pareia / Puxando o carro no chapadão / Ai era assim desde menino / Mas o destino me fez traição
A vida que cara levava desde criança ficou abalada para sempre com a morte do boi. A identidade foi destruida por algo, não sei dizer o que era a estrela desgarrada. Só que a música conta o que disse lá em cima e repeti aqui com arte e talento.
Não dá pra tirar o futebol do brasileiro. Seria como a morte do boi marrão. As torcidas do
Palmeiras e do Bahia não fizeram o que fizeram a toa.
As identidades que esses brasileiros construiram durante todas as suas vidas é ameaçada pelas campanhas medonhas desses times.
Muitos podem falar que futebol é coisa menor, baixa ou tosca. Mas eu acho que não há nada que as pessoas possam fazer que não tenha a marca delas próprias. Não existe pulo do gato, milagre ou gênio. Se tem a mão humana na parada é como todos nós, imperfeito.
O bem existiria sem o parâmetro do mal. Como considerar o belo sem o feio ou a alegria sem a tristeza. Só há felicidade e dor com expressividade maior quando são praticadas por todo um povo. Como não há povo nas classes média e alta do Brasil, não há como os modismos lançados pela Zona Sul do Rio se tornarem bens culturais brasileiros sem que o resto do brasileiros os aceitem. Vejam as palavras estrangeiras que eu tento, quixotescamente, não usá-las aqui neste blog. Elas são absorvidas por lusoparlantes que não largam seu idioma. Aliás, há estudos que indicam que o falar caipira e o sertanejo guardam muitas falas do português arcaico. O que muitos acham que seria ignorância é história, é identidade cultural.
Assim, creio que a formula 1, o polo aquático e qualquer outro esporte não praticado pela maioria das brasileiras e dos brasileiros pode até ter sua audiência, mas não serão parte da alma do brasileiro. O Sena ganhou e morreu no auge, mas não conseguiu que o País parece com seus Campeonatos Mundiais.
Abraços,
2 comentários:
Muito bom blog. Belos textos.
Ontem o Inter contribuiu para que o campeonato seja decidido mais cedo. cane ao SPFC aproveitar a cahance. Torcerei para o Botafogo, óbvio.
Sobre o meio-campo do Inter...bem, em Dezembro eu serei só orações.
Ainda bem que a sua torcida foi fraquinha.
Valeu, abraços!
Postar um comentário