quinta-feira, junho 10, 2010

Mircea Eliade na Copa

Quando Mircea Eliade escreveu O mito do eterno retorno, dedicou-se à análise das chamadas sociedades tradicionais e primitivas. Para elas, cada evento era repetição de um arquétipo de um grande acontecimento vivido pelo ancestral, pelo deus ou pelo heroi.
Além disso, havia a magia do ciclo: o constante recomeço, a purgação dos erros da última rodada. A nova colheita e o novo ano simbolizavam a oportunidade para acertar e a expiação das falhas anteriores.
O pensamento judaico, a ideologia cristã, a dialética hegeliana e o marxismo, entre outros, tentaram, cada um a seu modo, limpar a vida da ideia de repetição, historicizando os acontecimentos.
Mas, para dar algum sentido a essa insensatez que é a vida, o que fizeram foi apenas remeter a salvação para um fim dos tempos. E, como esperar não é uma grande virtude humana, Eliade já percebera que História é um problema para as elites, pois o homem comum, o bonus pater familias, está mais envolto com a idéia de ciclo e repetição, com o modo de vida "primitivo", do que podem imaginar nossas posturas modernas.
A primeira edição do livro é de 1949; a segunda, de 1965. A primeira, em Paris; a segunda, em Chicago.
Infelizmente, não houve ocasião para que o escritor romeno tivesse percebido que o grande ciclo da vida do homem comum é o futebol, pois, a cada campeonato, renova-se a chance do êxito. E, enquanto ele não chega, vai-se combatendo resignadamente o Mal, ou melhor, o adversário.
E o evento máximo desse ciclo é a Copa do Mundo, evento que passa a ser um filtro na vida do homem moderno-primitivo. Por ele, são marcados os fatos da história pessoal e geral: onde você estava em 1970, quem era o presidente em 1994, e tal e coisa.
Não é por acaso que os "analistas" insistem em coincidências dos 12 anos: no Brasil, 1958, 1970, 1982, 1994; na Itália, 1970, 1982, 1994, 2006.
É um ciclo dentro de outro, dentro de outro, dentro de outro.
Mas Mircea não jogava bola. O heroi romeno, Hagi, apareceu algumas rodadas depois.

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