sexta-feira, dezembro 15, 2006

Almanaque

A aula se dava entre o ponto de táxi e a roda de dominó.
Enquanto os condutores perdiam a atenção no caminhar das moças, e os velhos – trajando suas boinas e suas camisas de flanela – dançavam as peças de osso entre os dedos, ele se sentava calmamente sobre o banco pontilhado de folhas secas e ministrava suas lições.
Os alunos tinham os horários determinados por suas obrigações: a ida ao banco, a compra do jornal, a volta da missa, o café após o almoço.
Então, saudavam o mestre e aprendiam. Alguns se sentavam e ouviam demoradamente. Outros, de passagem, contentavam-se com um minuto de novos conhecimentos.
E ele falava, recordando a cada dia algum registro do almanaque que trazia sob o chapéu.
Todos devoravam suas palavras e choravam ou riam pateticamente do rapaz que, num doze de junho, foi assistir à final do campeonato para, enfim, ver seu time campeão e terminou o dia derrotado e sem namorada. Ou do volante, eterno brutamontes, que, contundido fazia número na área de ataque quando a bola, apetitosa, pulou à sua frente e ele, num remate inaudito, definiu a vitória de sua equipe. Ou de como era habilidoso o calvo e gordo homem que, à vista do aluno, caminhava ao balcão da drogaria em que agora defendia o seu. Ou de como, naquela pequena cidade, um dia desfilara um verdadeiro artista que, jovenzinho, viajou para outro país e para outra língua, e de quem ninguém mais se lembrava. Ou da arte daquele que, antes de todas as novas tecnologias de arquivamento, era chamado por seus colegas de “O professor” e que teria sido mais do que o maior de todos. Ou do menino, outrora palhaço, que trocara o cenário e fizera tanta gente chorar numa tarde triste. Ou.
Todos escutavam e seguiam suas rotas. Repetiam as histórias nos bares, nos salões, nos velórios e, assim, cultivavam a memória de cada personagem e de seu narrador.
Um dia, as aulas cessaram. O mestre abandonou sua turma.
Ainda hoje, os motoristas e os aposentados ponderam sobre a suspensão do curso. Aos alunos bissextos dizem apenas que a escola fechou sem explicação. Como um pênalti mal batido.

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que o Pato vai ter o mesmo destino do Kerlon, a Foca?
Rodrigo