Até os anos 60, o Campeonato Amador de Futebol da Cidade Azul era um evento cultural que rivalizava com as Missas de Domingo. Todos os homens, pelo menos, torciam para algum time do Campeonato Municipal. As multidões iam aos campos assistir e torcer por seus times amadores. Logicamente, sempre saiam brigas e os juízes eram xingados.
Após a televisão, os grandes times da Capital quebraram os vínculos. Mas o amadorzão ainda rola, todo alquebrado, lá na minha cidade natal. Alguns times sobreviveram, o campo do Cidade Nova (na foto) ainda é utilizado até o hoje por seu time.
Naquele contexto pré-televisivo, um garoto deixou as peladas com bolas de pano e começou a jogar no infantil do Ruy Barbosa Futebol Clube.
Havia vários clubes na Cidade. Todos com seus sócios que financiavam o dinheiro dos uniformes com mensalidades equivalentes a alguns poucos reais de hoje em dia. O menino ganhou o apelido -- Canela -- que iria lhe acompanhar por todo tempo que esteve jogando pelo Ruy Barbosa até o time adulto.
O Canela, o do meio na foto, jogava na lateral esquerda, mas é destro. Bate, batia bem, com as duas. Seu time, o Ruy Barbosa, era mediano e não havia muito o que fazer naquela época. Ninguém trocava de time; fazer tal coisa era um absurdo. As identidades, definidas nas categorias de base, marcavam para toda a vida.
Uma cerâmica da CidadeSanta Gertrudes, vizinha a Rio Claro, montou um time com os melhores jogadores do Amador. Conquistou os corações do craques com empregos com uma carga horária menor. Os jogadores-ceramistas saiam 1 hora antes do horário normal para baterem uma bolinha. A troca de times foi o assunto durante meses.
Jogadores-boleiros era uma prática comum. A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Tecelagem Matarazzo e, por exemplo, a Fábrica de Refrigerantes Sant'ana também tinham os seus times com funcionários que treinavam na última hora de trabalho. Eu mesmo já bati uma bolinha no campo da Paulista (que virou Fepasa).
De volta ao Canela, o seu time jogava onde hoje os parques de diversões e circos montam suas atrações. Não se joga mais futebol por lá. Mas, naquela época, não havia vestiário ou arquibancada. A diferença eram as traves que o Google Earth tardou para registrá-las. Os times usavam alguma casa de um torcedor que, orgulhosamente, cedia seu lar como vestiário para os atletas. Todo mundo queria tomar parte do grande evento.
Veja o cartola posando junto com a equipe do Ruy. A roupa de ir à missa não estva sendo usada ao acaso. Ser técnico ou dirigente de algum dos times era uma honra. Todos na Cidade sabiam quem eram os importantes. Reconhecimento social sempre foi um desejo do animal político. Segundo o relato do, agora septuagenário, Canela, alguns remanescentes daquela época ainda têm na memória os resultados das partidas. Algo bem pirado que não tenho a menor noção do que seja. Só deduzo que foi muito forte.
A rotina nos domingos era ir aos jogos nas tardes e, depois de um banho e um tapa no visual, ao footing na Praça Central. Entre os flertes, os rapazes batiam papo sobre os resultados, comentavam os jogos. Ali se estabelecia a classificação com a circulação da informação desportiva. As moças já disputam a atenção dos seus objetos de desejo desde aquela época.
Da fase de ouro do futebol amador rioclarense, não saiu nenhum craque que brilhou nos anos 60 e 70. Quem era bom, mas muito bom, ia jogar no Agüinha ou no Velo, que disputavam a 2a Divisão do Paulista. Os craques iam para o XV de Piracicaba ou para o Guarani, em Campinas.
Ótimos jogadores passaram pelos campos naquela época. Mas era outra cultura, o futebol amador não estava familiarizado com o atual troca-troca de clubes.
Na Rio Claro de hoje, ainda há muito da época em que o Canela batia sua bolinha no Amador:
Bem, agora que o Brasileirão já está quase a fechar as cortinas, o Na Cal resgatará algumas histórias interessantes que no Amadorzão na época que o Canela jogou.
Abraços,
3 comentários:
aew, muuuuito bom esse post...
infelizmente o futebol amador de rio claro anda jogado e a cada ano é menos times que disputam a competição...
Viva o futebol amador!!! De onde saem os verdadeiros craques deste Brasil.
Excelente post Sidarta. Ainda bem que alguns bons brasileiros possuem memória para que histórias como esssa sejam divulgadas.
Quanto ao seu comentário te confesso: No futebnol, o Catanduvense dificilmente chegará à A1 em 2008.
Já no basquete feminino, novamente a briga será contra Ourinhos. A segunda colocação tá de bom tamanho.
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