quinta-feira, junho 24, 2010

Dionísio goleia Apolo nos gramados

Toda hora se escuta que a gente vive em uma civilização grega e não se explica. Só se repete esse mantra sem entender o que se tenta dizer isso.

Pra mim, o pulo do gato dos gregos foi criarem uma civilização que gosta da mudança, do novo.

Eles fizeram bem ao contrário das outras civilizações que existiam na Terra naquela época. Nas outras, não se inovava, a vida era sempre regrada rigidamente pelas mesmas regras milenares. Ou seja, não havia nenhuma mudança fora do espaço helênico.

No Egito, na China, era justamente ao contrário do que rola hoje em dia em que a cada surge algo novo na música, no comportamento e nas tecnologias. Pelo menos, essa foi a lição que tirei de dois ótimos livros que li recentemente e recomendo: A_Little History of the World, de Gombrich, e Cultura Geral - Tudo O Que Se Deve Saber.

Não sei se esse mundo livre para o novo será pra sempre, parece que a Natureza não tá a aguentar mais esse estilo de vida.

Mas, de volta aos gregos, apesar de Zeus ser o capo do Olimpo, para modelos de comportamento, quem tinha valor era Dionísio, o Deus da desordem, e Apolo, o da ordem.

O futebol não é um desporto apolíneo como a natação, a ginástica artística, o basquete ou o volei. Nestes outros esportes, o imponderável não tem o espaço que tem dentro dos gramados.

Escrevo isso em função de dois textos que li nestes dias e do jogo da desclassificação da Itália e, claro, os livros que citei ali em cima.

O grande Nelson Rodrigues coloca:

Sempre digo, nas minhas crônicas, que a arbitragem normal e honesta confere às partidas um tédio profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno, o juiz larápio dá ao futebol uma dimensão nova e, se me permitem, shakespeareana. O espetáculo deixa de se resolver em termos chatamente técnicos, táticos e esportivos. Passa a ter uma grandeza específica e terrível. Eis a verdade: – o juiz ladrão revolve no time prejudicado e respectiva torcida esse fundo de crueldade, de insânia, de ódio que existe adormecido no mais íntegro dos seres. O mínimo que nos ocorre é beber-lhe o sangue. (Nelson Rodrigues, na crônica “Brasil x Áustria” publicada na Manchete Esportiva em 21/4/1956)

Já o articulista David Brooks do Times defende:

The World Cup calls this parochialism to mind because soccer is not just a sport, it is an entire mentality. We in this country prefer pastimes that are rational and quantifiable. Football plays can be drawn up in a playbook and baseball lends itself to statistical analysis.

But the rest of the world follows a sport that rewards resilience and neuroticism. Soccer is a sport perfectly designed to reinforce a tragic view of the universe, because basically it is a long series of frustrations leading up to near certain heartbreak.

The author Nick Hornby once had the brains to turn around while at an Arsenal match to watch the faces of the fans instead of the game. He observed that over the course of 15 minutes, the fans reflected frustration, rage, bitterness, despair, false hopes and discouragement. That’s because the players are perpetually pushing the ball forward, and it often looks like something is about to happen, but in reality it almost never does.

The goals are never scored.
Opinator Blog

Retomando os livros, ambos colocam bem que Itália e Alemanha desembocaram no Fascismo e no Nazismo em função de serem os últimos dos grandes países europeus a se consolidarem como estados nacionais e não tiveram tempo para desenvolverem práticas cidadãs, uma cultura de respeito aos direitos das pessoas.

Cabe lembrar também que por volta da metade do século passado, neste canto do Mundo, Brasil e Argentina também tiveram o Getulismo e o Peronismo.

Tem-se, assim, um interessante paralelo entre as grandes forças nas Copas e países que tem a memória de regimes de força que anulam as pessoas.

Quando uma sociedade não dá espaço para as suas mulheres e seus homens, não há como fazer grandes projetos pessoais, não há o sonho do crescimento pessoal sem liberdade. Assim, só resta uma dionisíaca tragic view of the universe para quem o destino não está em suas mãos.

Mesmo dentro das sociedades onde há mais espaço para as pessoas em que o futebol faz sucesso, não há como não notar que foi o povão inglês quem primeiro abraçou o futebol e não os seus patrões.

Por isso, tenho a impressão que o Deus Dionísio é quem ganha dentro dos gramados de seu colega Apolo. Quem quiser ir cartesianamente pisar na
Lua, seja apolineo; mas se a idéia é ganhar uma Copa, melhor ir de Dionísio mesmo.

Abraços,

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