domingo, maio 27, 2012

O futebol e a aldeia

(publicado em Sem Cesura)

Assisti, ao menos parcialmente, a três partidas de futebol neste sábado: Brasil x Dinamarca, Portugal x Macedônia, Rosário Central x River Plate.
A oferta televisiva supera os limites de qualquer apreciador de futebol. E digo apreciador em lugar de torcedor pelo simples motivo de que apenas quem aprecia verdadeiramente futebol se dispõe a testemunhar qualquer tipo de jogo, e não apenas as partidas de seu time.
É óbvio que o apreciador acaba por ter um time de preferência e ser um torcedor, mas isso não o impossibilita de encontrar a beleza vestida com outros uniformes.
Entre os apreciadores, há diversas subespécies: o elitista, o professor, o Robin Hood, o maluco, entre outros. Para caracterizar, é suficiente dizer que o elitista só gasta seu tempo com times grandes, preferencialmente europeus; o professor analisa a tática dos jogos, sabe onde estão milhares de jogadores, é praticamente um técnico, no pior e no melhor sentidos da palavra; o Robin Hood só dá audiência para times pequenos e campeonatos menores, adora segundas divisões, e terceiras, e falta de divisões; o maluco vê simplesmente tudo que consegue.
Pouca gente, contudo, perde tempo e pestana na reflexão sobre o que cerca o jogo. Quase ninguém quer saber de história, sociologia, política e outros campos.
Um dos raros praticantes dessas conexões é o Comendador Silvio Luiz. Durante as transmissões dos jogos do Campeonato Paulista na década de 90, o locutor tinha o costume de apresentar dados extracampo da cidade em que a partida era realizada e suas cercanias. Encerrava a explanação com o célebre Futebol também é cultura. Parecia repetir ali a conclusão de Anaxágoras: Tudo está em tudo.
E assim voltamos aos embates enumerados no começo dessa digressão.
Há neles, como em todo duelo ludopédico, algo que pode fornir conversas fora do futebol. Mas algo se destaca, pelo menos aos olhos deste observador: a relação entre o local e o global.
O futebol, esporte mais popular do planeta, é responsável por eventos grandiosos como a Copa. Contudo, sua sobrevivência não é garantida apenas pelos grandes espetáculos; sua força se renova em cada partida amadora, no Desafio ao Galo, na Copa Kaiser.
Sua assunção como grande negócio provoca o choque inevitável entre o que é esporte e o que é mercado. Cabe a cada gestor decidir a política de seu produto.
A Seleção Brasileira, por exemplo, atuou como mandante na Alemanha. De lá, ruma aos Estados Unidos para outras exibições de uma das marcas mais fortes do negócio futebolístico.
No mesmo dia, o mais midiático jogador da atualidade, Cristiano Ronaldo, defendeu o selecionado de seu país na pequena cidade de Leiria. O estádio acanhado, com capacidade parecida com a do Canindé, estava repleto de adeptos gritando Puur-tu-gal.
Chegamos, então, a Rosário. A cidade do interior argentino recebeu a partida em que o mandante defendia sua liderança contra o time da capital. O Campeonato é o da Segunda Divisão. O estádio com quarenta mil lugares está cheio. Aos torcedores do time mais famoso foram reservadas cerca de três mil cadeiras. Mal comparando, é algo como o Corinthians jogar num Estádio Santa Cruz tomado apenas por torcedores do Botafogo de Ribeirão Preto.
São escolhas - ou a falta delas - diante do recorrente conflito entre a aldeia e o globo.
Obviamente, o espectador dos jogos não se importou com isso, nem com muita coisa que não fosse o resultado.
Aliás, o escrete nacional venceu por 3 a 1. Os outros jogos ficaram no famoso oxo.



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